terça-feira, 6 de abril de 2010

Quarenta

Na minha casa tem três cachorros e na casa da Chalela tem três gatos. Um gato e duas gatas. As gatas tiveram uma ninhada cada uma, e moraram nas gavetas até desmamar. Eu adorava brincar com eles quando eu era pequena. Agora todos cresceram e foram embora. Tinha de todas as cores, preto, branco, malhado. A mãe deles se chama Nina Simone e a filha dela Brigitta, mas o dono da casa é um siamês cinzar que se chama Yoda. A Dodó não gosta de gatos, diz que eles são traiçoeiros, a Chalela diz que os cães são subservientes, que onde se viu um cachorro ser policial. E começa uma discussão daquelas, que eu não entendo nada porque não sei o que é subserviente e nem o que é traiçoeiro. Eu gosto de todos eles. E do Uli, o gato preto que foi embora.

Trinta e nove

Minha Dodó tem uma amiga. Elas se conheceram com quatro anos, como eu e a Laurinha. A Elsita. Elas vão ao cinema juntas toda a semana e depois vão me buscar na escolinha. Olho pra Laurinha, a minha melhor amiga e não acredito que vamos ficar como elas um dia, de bengala e andando bem devagarinho, e também acho que elas nunca tiveram cinco anos, não.

Trinta e oito

Viajei de gavião com a minha mãe e a Dodó para visitar o Vô Nei que mora muito longe de Brasília. A viagem é assim ó: o gavião levanta, faz um barulhão, a gente fica muito tempo parado encima das nuvens e então ele desce, fazendo outro barulhão daqueles. E aí a gente chega na casa do Vô Nei. Que comprou uma bóia só pra mim, quando vou na piscina com ele, mas agora eu nem vou precisar mais dela quando voltar lá.

Trinta e sete

A Dodó comprou espuma pra colocar na banheira, a espuma vinha num pato azul e a água ficava azul enquanto a espuma começava a crescer, fiquei muito assustada com aquela espuma, crescendo e ela querendo que eu entrasse ali, eu não me atrevia, a Chalela disse então: são como nuvens, toca pra sentir como são as nuvens, eu toquei e elas se desmancharam e foram ficando com outras formas. Banho de banheira com espuma é igual ao céu.

Trinta e seis

 Na casa da Chalela eu como coisas diferentes das que tem lá em casa. Grão-de-bico, por exemplo, e ovo duro, que eu mesma posso descascar depois de quebrar com a colher. Ela põe uma almofada na cadeira e eu fico do tamanho de todo o mundo. Ela fez uma mágica no dia do meu aniversário: de uma forma redonda ela tirou um doce inteirinho, sem se desmanchar e eu comi até ficar com dor de barriga, é o doce que eu mais gosto agora e que ela faz sempre pra mim, que é pudinho.
Trinta e cinco.

  A história que ela conta é sempre a mesma, a de uma menina que leva pro quarto, antes de dormir uma vela acesa porque a luz acabou e a voz dela vai ficando bem devagar, bem baixinho e a cara dela vai se modificando e a menina entra no quarto e vê sombras na parede, de lobos e ursos e quando ela vai levantar as cobertas, que aí eu já não aguento mais de susto e ela dá um grito e me mata de cócegas, eu morro de medo e sempre fico louca que ela faça de novo.
Trinta e quatro

Acho que já contei que ganhei um estojo de esmaltes da Chalela, tem de várias cores, amarelo, azul, verde e rosa, com brilho, sem brilho, com estrelinha, ficamos passando esmalte uma na outra e depois tirando com algodão e escolhendo outras cores e depois colocando uma de cada cor em cada unha e depois tirando tudo e começando tudo de novo. Enquanto nos pintamos ela me conta histórias, histórias de terror com as caretas mais assustadoras que já vi na minha vida. Ela se transforma em outra pessoa, eu digo pára Chalela, pára, volta Chalela, e ela cai na risada. Hoje brinquei de maricuti com ela também, que é quando a gente vai no salão pintar as unhas.